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OSTRAS

OSTRAS

 

    
 

OSTRAS - Uma pérola de alimento!

 

Uma refinada   iguaria marinha que reúne qualificativos sem concorrente, ao contrário de   seus ‘primos’ crustáceos, um molusco, denominado ostra, jamais foi   devidamente valorizada no cardápio do brasileiro. Olhado com desconfiança, em   sua aparência nua e gelatinosa, e ainda temido pelas severas intoxicações que   pode causar ao comensal que não atentar à sua procedência, a desprezada ostra   padece dos mais inóspitos preconceitos. E por fatores culturais, por   desconhecimento e mais a escassa familiaridade, imposta pelas distâncias   geográficas de suas áreas de origem, o alimento que poderia até ser uma   solução para a má nutrição e fome no mundo, acaba ganhando status de iguaria   exótica e de consumo excepcional. Seus apreciadores, nas grandes capitais do   País, têm que buscar os restaurantes mais refinados se quiserem se deleitar   com porções confiáveis, porém modestas, desembolsando em contrapartida,   quantias nem tão módicas assim... Questões de frete e das distâncias no transporte,   alegam fornecedores e distribuidores.
Em termos nutritivos, poucos alimentos se comparam a ostra. Riquíssima em   proteínas, vitaminas e minerais, ela possui doses notáveis de zinco, ferro,   magnésio, cálcio e muita vitamina A, entre outras. HÁ alguns anos atrás,   quando as primeiras fazendas de cultivo de ostras, no litoral de Cananéia,   SP, e especialmente em Santa Catarina (águas frias onde a principal espécie   cultivável, Cassostrea Gigas, ou ostra do Pacífico, se deu melhor), se   preparavam para obter sementes e maximizar uma produção sob controle, eu   estava realizando uma vasta pesquisa para uma publicação especializa, quando,  entre outras descobertas, deparei com a incrível informação, em algum estudo   de biologia marinha, que cada animalzinho daquele, se degustado in natura, ou   seja, cru, equivaleria, em termos nutricionais, a algo como tomar 9 copos de   leite – por cada concha!..

E mais: ostras   não apresentam um mínimo de gordura e muito menos do temido colesterol. Sendo   assim, não engordam!... Pode-se comer a dúzia inteira que não passará de umas   100 calorias. E o alarde de suas propriedades afrodisíacas, pode ser   justificado pela admirável quantidade de zinco e de um raro aminoácido que,   provaram recentes pesquisas, consegue elevar o nível dos hormônios sexuais,   principalmente a testosterona.
  

 Preparo e manuseio
 
  Outro absurdo que ronda pelo folclore da sapiência nacional é que “ostra não   tem gosto de nada e deve ser engolida rapidamente sem mastigar”. Como? Se   aquilo é igual degustar num bocadinho, o mar inteiro!... Podem e devem ser   mastigadas.

Ostras podem   ser apreciadas assim que forem abertas, espremendo no máximo suco de limão,   ou algum molho frio, bem temperado, do tipo coquetel. Pelo menos assim   determinam os puristas – no que têm razões de sobra. Os ingleses e irlandeses   (sim eles apreciam muito as ostras, e isso desde o tempo da dominação do   Império Romano), costumam adicionar um pouco de manteiga e sal e engolir o   molusco, assim cru e vivo. Mas as cozinhas do mundo também já se dedicaram a inventar   receitas das mais elaboradas com esse molusco: ostras defumadas, cozidas ao   vapor, aferventadas, assadas, fritas, gratinadas, entre outras.

Ao contrário   do que pensa a maioria, a ostra sobrevive por um longo período, se   devidamente bem acondicionada, em suas conchas fechadas – aliás, a concha   rigorosamente fechada significa que ela está bem viva, comme il faut. Ostras,   uma vez retiradas do mar e devidamente higienizadas, costumam durar por cinco   dias, até uma semana, asseguram os conhecedores. Devem ser mantidas   refrigeradas, sob baixa temperatura, em sua umidade própria, especialmente se   o objetivo for saborear a iguaria in natura. Não podem ser congeladas; também   não se deve guardá-las em água gelada, pois morrem mais rápido assim – abrem   e perdem seu sumo. Abrir: só no momento do consumo.

Quanto mais   frescas, tanto melhor no sentido de aproveitar todas suas características   nutritivas, de vivacidade e sabores; afinal estamos diante de um prato que   costuma ser avaliado quase com a mesma complexidade de um vinho, devido a   variedade de sabores e consistências sutis, de acordo com a região e águas   onde foi colhida ou produzida: algumas são mais salgadas, ou mais doces, ou   mineralizadas e até frutadas! Portanto, também nada de passar a preciosidade   sob a água da torneira, ao abrir – retiraria todo o sumo próprio, onde reside   a essência e delícias do alimento. Ostra, afinal, é como um vidrinho que   contivesse a essência dos oceanos.

Abrir a dita   cuja requer um instrumento específico, um tipo de faca, quase uma espátula,   curta, pontuda e com um apoio. Requer também prática e paciência. Esse animal   marinho se protege selando os dois lados da concha com um músculo, que se   posiciona numa das extremidades da casca: é ali que deve ser introduzida a   ponta da faca, então forçar delicadamente até romper o músculo e ela começar   a se abrir. Simples, não? Se não funcionar, um recurso, para quem for aplicar   alguma receita culinária em seguida, é levar as conchas fechadas ao vapor –   abrem todas sozinha, e pronto, só que desperdiçando boa parte dos nutrientes.
 
  Paladares refinados e internacionais
 
  No mundo todo, um prato de ostras costuma ser iguaria relativamente cara e   luxuosa – especialmente se atravessar longas distâncias, de sua origem até os   centros consumidores, em condições de transporte climatizado. É o caso de   cidades como São Paulo e Brasília, considerados os maiores mercados para os   grandes produtores de ostras de Santa Catarina – estado que domina 90% da   produção brasileira, produção que há cerca de 15 anos vem investindo na   criação controlada e não mais na coleta espontânea.
  New York é famosa pelos oyster-bars, onde balcões de gelo moído compõem um   glamuroso leito para acomodar meias conchas e suas soberbas ostras, das   melhores procedências do mundo. Ali, o champagne rola solto! - naturalmente é   a bebida que mais se distingue na companhia de algumas dúzias de moluscos   frescos e carnudos. Já os irlandeses de Galway, realizam pontualmente em   setembro o Galway Oyster Festivals, quando se reúnem para abrir milhares de   ostras nativas, que são saboreadas imediatamente, acompanhadas de pits e pits   da cerveja Guinness.

E pensar que   ostras cruas já foi um prato barato e popular, muito comum entre as   populações mais pobres de áreas costeiras, como as do Reino Unido, na Europa,   e da Califórnia e do Maine nos EUA. Entre espanhóis da Catalunha e da   Andaluzia, elas sempre foram bastante apreciadas – cruas, obviamente. Os   italianos, desde a antiga Roma (que então importavam as melhores da Bretanha   no Mar do Norte), costumam servi-las in natura. Curiosa e inversamente, os   inventores do sushi e do sashemi de peixe cru, os japoneses, também adoram as   ostras – porém só se estiverem bem cozidas...

Mas foram os   franceses quem melhor caracterizaram e sofisticaram o seu consumo. O ‘bar de   ostras’ é uma invenção do Mediterrâneo Provençal, que Paris não tardou a   adotar. Aliás, no Iluminismo, os cortesãos daquele país viriam a celebrar ‘la   vie en rose’ da alta gastronomia, sistematicamente ao lado de uma baixela   cheia de gelo e ostras fresca, engolidas ao sabor de muitas taças de   champagne, ou um Chablis. Uma das telas em que o repasto foi imortalizado,   chama-se “O Almoço de Ostras”, pintado por Jean-François de Troy, no séc.   XVIII (a cena reúne senhores da nobreza ao redor de uma mesa, em salão de   castelo estilo greco-romano, todos já bem à vontade).

Personagens   ilustrados, como Richelieu, Montesquieu e principalmente Voltaire, foram   amantes entusiasmados dos novos sabores, mais delicados e voláteis, como os   dos moluscos – há registros que o célebre pensador era capaz de se considerar   satisfeito com algo perto de 25 dúzias por vez!... Um cortesão francês, então   exilado em Londres, um certo Conde de Saint-Évremond, escreveu em 1705: “Em   matéria de gosto, as ostras – especialmente as de Colchester – haviam   conseguido superar toda alada criatura, toda veação, as carnes negras e os   guisados. Ostras, vencestes! Só as trufas serão tão apreciadas”.
 
  Competência catarinense
 
  Atingindo a produção de 3 milhões de dúzias ao ano, Florianópolis, Santa   Catarina, é espécie de Meca das ostras de criação. A ostricultura é atividade   recente no País, tendo início a cerca de 15 anos atrás, como forma de   alcançar não só uma alta produtividade, mas principalmente de garantir a   qualidade sanitária do produto. Como se sabe, é ai que mora o perigo, pois os   moluscos chegam a filtrar milhares de litros de água por dia, e dessas águas   depende a contaminação ou pureza do produto. Quem já não ouviu falar de   alguém que ingeriu meia dúzia de ostras, dessas servidas em barraquinhas de   praia, e colhidas em qualquer canto poluído da costa brasileira, e quase   morreu de intoxicação? Pois, ostras, muito mais que o período da validade,   correm o risco de acumular as mais incríveis toxinas, em razão do grau de   poluição da água em que se desenvolveram.
  Nas baias especializadas ao longo de Florianópolis não existe esse perigo.   Num projeto em comum com a Universidade Federal de Santa Catarina e a   Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca do Governo Federal, e mais os   cerca de 160 maricultores de ostras e mexilhões registrados naquele Estado,   está sendo implantado um programa de registro e certificação de qualidade   daqueles produtos ali cultivados. Ostras que ganharam o selo de garantia de   rigor sanitário, em todo o processo (da inseminação, crescimento, à colheita,   embalagem e transporte), ostras com “Sif”, ainda são poucas.

É o caso da   Fazenda Marinha Ostravagante, do empresário Paulo Constantino, um paulistano   que se mudou em 1996 para as costas límpidas de Ribeirão da Ilha, vizinha a   Florianópolis, sendo um dos pioneiros na atividade. As cerca de 12 mil dúzias   de ostras obtidas mensalmente, nos dois hectares de mar pertencentes a   Fazenda Ostravagante, ostentam o SIF e são direcionadas aos principais   centros consumidores, viajando por avião, ou via terrestre, em frota própria   de veículos climatizados – devidamente beneficiadas, limpas, livres de cracas   e passadas em água com cloro, embaladas em caixa de isopor.
  Cultivadas a partir de sementes fornecidas por laboratórios da UFSC, as   ostras, da espécie Crassostrea Gigas, passam por vários processos até estarem   maduras para colheita, explica o maricultor Paulo Constantino. As sementes   comeam a se desenvolver numa espécie de casulo, o berçário, que é deixado no   mar por 3 semanas; depois são transferidas para bandejas, onde permanecem   crescendo por mais um mês e meio; daí serão colocadas em ‘lanternas’, os   cestos, até crescerem por mais 2 ou quatro meses e só então estarão prontas   para a colheita. São comercializadas em 3 tamanhos: ostra baby, média e   máster – de 7cm a 11cm, levando de 8 a 12 meses para atingir essas medidas.   “As mais procuradas são as baby e médias”, afirma Alexandre Zampieri,   representante da Ostravagante para o mercado paulistano, ele também com muita   experiência no ramo, pois se formou com o pioneiro ostricultor de São Paulo,   um francês radicado em Cananéia, o célebre Jacques, do criatório Jacostra –   que se especializou na espécie nativa, a Gigas Brasiliana.

Com tamanha   desenvoltura e produção altamente qualificada, o público brasileiro parece   continuar indiferente à excepcional oferta atual de ostras, se queixam os   produtores catarinenses em relação a um mercado insipiente. E alguns, como a   Ostravagante, já se preparam para a alternativa do mercado externo, informa Paulo   Constantino.
 
  Pedagogia alimentar
 
  Sendo o maior produtor do molusco no País, Santa Catarina acaba de dar um   exemplo louvável, com a iniciativa de instituir as ostras como parte do   cardápio de merendas escolares em suas escolas públicas. Com tamanha qualidade   nutricional, e graças a alta produção local, nada mais inteligente do que   adotar a ostra na dieta popular – e o melhor caminho é mesmo o da ‘educação   do paladar’. E parece que as crianças, diante da nova merenda escolar nas   escolas municipais de Florianópolis, aprovaram de imediato a novidade (as   ostras são servidas cozidas, misturada em risotos ou omeletes, bem   entendido). Um bom começo, sem dúvida, provando que iniciativas   administrativas como esta, podem levar a um salto na qualidade de vida de   populações menos esclarecidas.

Para o   consumidor adulto que ainda tenha alguma reticência em relação ao assunto, é   tempo de mudar os conceitos. Ostras, além de dar um show como dieta altamente   nutritiva, sempre mantêm aquela aura de noblesse gourmand...Além de hotéis e   alguns restaurantes de primeira linha a oferecer o produto, o brasileiro   dificilmente costuma adquirir dúzias de ostra para deixar em sua geladeira de   casa. À parte o desconforto e falta de habilidade para abrir as conchas, uma   chance de mudar seus (pré)conceitos sobre o assunto, seria pensar em uma   festa ou recepção à base de ostras in natura – e tudo regado a um bom   espumante seco ou champagne!

Em São Paulo,   o representante Alexandre Zampieri fornece in loco o produto catarinense,   sempre fresquíssimo, também cuida dos possíveis molhos de acompanhamento e   ainda da produção ornamental (tudo servido em barcas de gelo moído). E ainda   providencia um especialista em destrinchar conchas herméticas... Um luxo! –   que não engorda, não dá trabalho, faz um bem tremendo e ainda sai pela casa   dos R$ 16,00 a dúzia (nov 2008), dependendo do tamanho da ‘estrela’ da   festa... É como se sentir em Paris, no auge da bèlle-époquè!
 
 
 

 

 

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