OSTRAS
OSTRAS - Uma pérola de alimento!
Uma refinada iguaria marinha que reúne qualificativos sem concorrente, ao contrário de seus ‘primos’ crustáceos, um molusco, denominado ostra, jamais foi devidamente valorizada no cardápio do brasileiro. Olhado com desconfiança, em sua aparência nua e gelatinosa, e ainda temido pelas severas intoxicações que pode causar ao comensal que não atentar à sua procedência, a desprezada ostra padece dos mais inóspitos preconceitos. E por fatores culturais, por desconhecimento e mais a escassa familiaridade, imposta pelas distâncias geográficas de suas áreas de origem, o alimento que poderia até ser uma solução para a má nutrição e fome no mundo, acaba ganhando status de iguaria exótica e de consumo excepcional. Seus apreciadores, nas grandes capitais do País, têm que buscar os restaurantes mais refinados se quiserem se deleitar com porções confiáveis, porém modestas, desembolsando em contrapartida, quantias nem tão módicas assim... Questões de frete e das distâncias no transporte, alegam fornecedores e distribuidores. E mais: ostras não apresentam um mínimo de gordura e muito menos do temido colesterol. Sendo assim, não engordam!... Pode-se comer a dúzia inteira que não passará de umas 100 calorias. E o alarde de suas propriedades afrodisíacas, pode ser justificado pela admirável quantidade de zinco e de um raro aminoácido que, provaram recentes pesquisas, consegue elevar o nível dos hormônios sexuais, principalmente a testosterona. Preparo e manuseio Ostras podem ser apreciadas assim que forem abertas, espremendo no máximo suco de limão, ou algum molho frio, bem temperado, do tipo coquetel. Pelo menos assim determinam os puristas – no que têm razões de sobra. Os ingleses e irlandeses (sim eles apreciam muito as ostras, e isso desde o tempo da dominação do Império Romano), costumam adicionar um pouco de manteiga e sal e engolir o molusco, assim cru e vivo. Mas as cozinhas do mundo também já se dedicaram a inventar receitas das mais elaboradas com esse molusco: ostras defumadas, cozidas ao vapor, aferventadas, assadas, fritas, gratinadas, entre outras. Ao contrário do que pensa a maioria, a ostra sobrevive por um longo período, se devidamente bem acondicionada, em suas conchas fechadas – aliás, a concha rigorosamente fechada significa que ela está bem viva, comme il faut. Ostras, uma vez retiradas do mar e devidamente higienizadas, costumam durar por cinco dias, até uma semana, asseguram os conhecedores. Devem ser mantidas refrigeradas, sob baixa temperatura, em sua umidade própria, especialmente se o objetivo for saborear a iguaria in natura. Não podem ser congeladas; também não se deve guardá-las em água gelada, pois morrem mais rápido assim – abrem e perdem seu sumo. Abrir: só no momento do consumo. Quanto mais frescas, tanto melhor no sentido de aproveitar todas suas características nutritivas, de vivacidade e sabores; afinal estamos diante de um prato que costuma ser avaliado quase com a mesma complexidade de um vinho, devido a variedade de sabores e consistências sutis, de acordo com a região e águas onde foi colhida ou produzida: algumas são mais salgadas, ou mais doces, ou mineralizadas e até frutadas! Portanto, também nada de passar a preciosidade sob a água da torneira, ao abrir – retiraria todo o sumo próprio, onde reside a essência e delícias do alimento. Ostra, afinal, é como um vidrinho que contivesse a essência dos oceanos. Abrir a dita cuja requer um instrumento específico, um tipo de faca, quase uma espátula, curta, pontuda e com um apoio. Requer também prática e paciência. Esse animal marinho se protege selando os dois lados da concha com um músculo, que se posiciona numa das extremidades da casca: é ali que deve ser introduzida a ponta da faca, então forçar delicadamente até romper o músculo e ela começar a se abrir. Simples, não? Se não funcionar, um recurso, para quem for aplicar alguma receita culinária em seguida, é levar as conchas fechadas ao vapor – abrem todas sozinha, e pronto, só que desperdiçando boa parte dos nutrientes. E pensar que ostras cruas já foi um prato barato e popular, muito comum entre as populações mais pobres de áreas costeiras, como as do Reino Unido, na Europa, e da Califórnia e do Maine nos EUA. Entre espanhóis da Catalunha e da Andaluzia, elas sempre foram bastante apreciadas – cruas, obviamente. Os italianos, desde a antiga Roma (que então importavam as melhores da Bretanha no Mar do Norte), costumam servi-las in natura. Curiosa e inversamente, os inventores do sushi e do sashemi de peixe cru, os japoneses, também adoram as ostras – porém só se estiverem bem cozidas... Mas foram os franceses quem melhor caracterizaram e sofisticaram o seu consumo. O ‘bar de ostras’ é uma invenção do Mediterrâneo Provençal, que Paris não tardou a adotar. Aliás, no Iluminismo, os cortesãos daquele país viriam a celebrar ‘la vie en rose’ da alta gastronomia, sistematicamente ao lado de uma baixela cheia de gelo e ostras fresca, engolidas ao sabor de muitas taças de champagne, ou um Chablis. Uma das telas em que o repasto foi imortalizado, chama-se “O Almoço de Ostras”, pintado por Jean-François de Troy, no séc. XVIII (a cena reúne senhores da nobreza ao redor de uma mesa, em salão de castelo estilo greco-romano, todos já bem à vontade). Personagens ilustrados, como Richelieu, Montesquieu e principalmente Voltaire, foram amantes entusiasmados dos novos sabores, mais delicados e voláteis, como os dos moluscos – há registros que o célebre pensador era capaz de se considerar satisfeito com algo perto de 25 dúzias por vez!... Um cortesão francês, então exilado em Londres, um certo Conde de Saint-Évremond, escreveu em 1705: “Em matéria de gosto, as ostras – especialmente as de Colchester – haviam conseguido superar toda alada criatura, toda veação, as carnes negras e os guisados. Ostras, vencestes! Só as trufas serão tão apreciadas”. É o caso da Fazenda Marinha Ostravagante, do empresário Paulo Constantino, um paulistano que se mudou em 1996 para as costas límpidas de Ribeirão da Ilha, vizinha a Florianópolis, sendo um dos pioneiros na atividade. As cerca de 12 mil dúzias de ostras obtidas mensalmente, nos dois hectares de mar pertencentes a Fazenda Ostravagante, ostentam o SIF e são direcionadas aos principais centros consumidores, viajando por avião, ou via terrestre, em frota própria de veículos climatizados – devidamente beneficiadas, limpas, livres de cracas e passadas em água com cloro, embaladas em caixa de isopor. Com tamanha desenvoltura e produção altamente qualificada, o público brasileiro parece continuar indiferente à excepcional oferta atual de ostras, se queixam os produtores catarinenses em relação a um mercado insipiente. E alguns, como a Ostravagante, já se preparam para a alternativa do mercado externo, informa Paulo Constantino. Para o consumidor adulto que ainda tenha alguma reticência em relação ao assunto, é tempo de mudar os conceitos. Ostras, além de dar um show como dieta altamente nutritiva, sempre mantêm aquela aura de noblesse gourmand...Além de hotéis e alguns restaurantes de primeira linha a oferecer o produto, o brasileiro dificilmente costuma adquirir dúzias de ostra para deixar em sua geladeira de casa. À parte o desconforto e falta de habilidade para abrir as conchas, uma chance de mudar seus (pré)conceitos sobre o assunto, seria pensar em uma festa ou recepção à base de ostras in natura – e tudo regado a um bom espumante seco ou champagne! Em São Paulo, o representante Alexandre Zampieri fornece in loco o produto catarinense, sempre fresquíssimo, também cuida dos possíveis molhos de acompanhamento e ainda da produção ornamental (tudo servido em barcas de gelo moído). E ainda providencia um especialista em destrinchar conchas herméticas... Um luxo! – que não engorda, não dá trabalho, faz um bem tremendo e ainda sai pela casa dos R$ 16,00 a dúzia (nov 2008), dependendo do tamanho da ‘estrela’ da festa... É como se sentir em Paris, no auge da bèlle-époquè! |